
A arquiteta brasileira Lavínia Naue, 26 anos, espera dar à luz sua primeira filha, Lívia, no próximo dia 20 de fevereiro, nos Estados Unidos. A gaúcha viajou de Santa Catarina até a Flórida por um objetivo: voltar ao Brasil com um passaporte americano para a sua bebê.
“A gente gosta de morar no Brasil, mas queremos garantir que ela tenha dupla cidadania, para poder estudar nos EUA, ter mais portas abertas para ela e os filhos dela no futuro”, diz. Lavínia faz parte de um grupo de famílias que viajam ao país para o chamado “turismo de nascimento” ou “turismo de parto”.
Isso ocorre em função do que reza a Emenda 14 da Constituição Americana que diz ter acesso à cidadania automática qualquer bebê nascido no país, independentemente da situação migratória dos pais pi se a família está no país com um visto temporário, como o de turismo.
Mas o recém-empossado presidente Donald Trump decidiu acabar com essa possibilidade e o sonho de muitas mães, apesar de provavelmente enfrentar desafios legais para implementar a medida.
No seu primeiro dia na Presidência, na segunda-feira (20/1), Trump assinou uma ordem executiva em que determina o fim do direito à cidadania automática a filhos de estrangeiros nascidos nos EUA.
O texto assinado por Trump afeta não só as turistas que tenham filho no país e os imigrantes indocumentados, mas também, famílias que estão no país com um visto temporário, como estudantes ou trabalhadores portadores de vistos das categorias “H” ou “L” (H1-B, H2-B, H2-A, H-4, L-1).
A nova regra assinada por Trump entra em vigor em um mês, ou seja, em 20 de fevereiro.
O advogado brasileiro especialista em imigração Albert Resende explica que, da forma como acontece hoje, o chamado “turismo de nascimento” não é ilegal.
“Dentro da lei de imigração, não tem nada que proíba. Mas os republicanos entendem que isso é prejudicial ao país”, explica o chefe jurídico do escritório especializado Witer, Pessoni & Moore.
Os partidários de Trump defendem que oferecer a cidadania a qualquer nascido no país estimula a imigração ilegal.
Já os que são contra a medida do presidente defendem que nos EUA este é um direito constitucional, num país historicamente formado por imigrantes.
Direito Constitucional
A cidadania por direito de nascença está prevista na 14ª Emenda da Constituição dos EUA, que afirma que “todas as pessoas nascidas” nos Estados Unidos “são cidadãos dos Estados Unidos”.
É chamado jus soli automático, ou “direito do solo” sem restrições, adotado por países como México, Canadá e o Brasil (com algumas exceções).
Reações
Uma coalizão de 18 Estados liderados por democratas, junto ao Distrito de Columbia (Washington) e a cidade de São Francisco, também já está processando a administração Trump por sua tentativa de acabar com a cidadania por direito de nascimento. Em uma ação separada, mais quatro Estados já tentam bloquear a medida.
O procurador-geral de Nova Jersey, Matthew J. Platkin, que liderou um dos esforços jurídicos junto aos procuradores-gerais da Califórnia e de Massachusetts, declarou que a tentativa de Trump de limitar a cidadania por nascimento foi “extraordinária e extrema”.
Atualmente, explica o advogado especialista em imigração aos Estados Unidos Albert Resende, mesmo não havendo essa proibição em lei para o “turismo de nascimento”, o Departamento de Estado americano recomenda que os agentes consulares neguem os vistos de turismo quando eles avaliarem que “a intenção da mãe que aplica para um visto de turismo é dar à luz”.
“O agente consular tem uma discricionariedade, ou seja, dentro da lei, ele pode agir de acordo com o entendimento dele. Então, se ele desconfiar que essa mulher, mesmo que ela não esteja grávida, tem intenção de ir dar à luz, ele pode negar o visto e está coberto”, explica Resende.
Desde 2020, os EUA já haviam endurecido as regras para mulheres grávidas que querem tirar visto de turismo, a fim de coibir o “turismo de nascimento”.
Imigração em cadeia
Em geral, famílias que procuram serviços como Ser Mamãe em Miami querem garantir que os filhos usufruam no futuro de um passaporte americano e da possibilidade de morar no país.
Mas o advogado Albert Resende explica muitas famílias também vislumbram a chamada “transmissão de cidadania posterior”.
Isso é: a transferência da cidadania desse filho nascido nos Estados Unidos para os pais.
Mas isso não é simples. Isso só pode ocorrer depois desse filho completar 21 anos — e esse filho precisa ter morado nos Estados Unidos por pelo menos dois anos após ter completado 16 anos.
“Então ela não passa de imediato e nem permite que os pais possam residir nos Estados Unidos legalmente [só porque o bebê tem a cidadania]”, diz Resende.
Cumprindo as regras, esse cidadão americano de 21 anos pode aplicar um pedido de visto permanente para os pais — esses pais, por consequência, podem passar a outros filhos ou até aos avós desse cidadão original.
“Então, assim, existe a chamada ‘imigração em cadeia’, numa política de reunião familiar”, explica o advogado. O especialista acredita que, caso a nova regra de Trump entre em vigor, é provável que essa transferência de cidadania também possa ser afetada.
Extraído do artigo: https://www.bbc.com/portuguese/articles/c9w58wnnr7po